sexta-feira, 20 de junho de 2008

A. C. M.
ESTRIGAS Em 17/03/08


Ainda hoje, após alguns séculos, repete-se o que disse Leonardo Da Vinci de que arte é coisa mental. Não só se repete como muitos artistas agem assim. Mas, diga-se, se o trabalho artístico se constrói mentalmente, a porta de entrada e saída é a sensibilidade estética.
Deixemos o genial Leonardo, sua época e espaço, para cair em Juazeiro do Ceará e do Padre Cícero, aí pela metade do século XX. Encontraríamos um garoto que se faria artista como milagre do Padre Cícero e confirmaria o dito de Leonardo. Convém explicar quem e como o garoto. Apresento Antônio Carlos Macêdo, filho de Juazeiro que, descobrindo em criança, os encantos de sua terra, deparou-se, certo dia, com um galpão no meio da mata e nele a figura do Padre Cícero feito estátua, ainda incompleta. Deslumbrou-se. Impulsivamente apanhou alguns restos de barro e, ali mesmo, de suas mãos, uma pequena figura surgiu. Ao mostrar, em casa, o seu trabalho tornou-se alvo de admiração e levado de casa em casa exibido com seu trabalho, o que o constrangia.
Um segundo impacto o esperava no caminho da arte: mestre Noza em Juazeiro. No colégio o garoto Antônio Carlos Macêdo foi designado para entrevistar o conhecido artista popular. Foi. No topo da escada, ao divisar Noza e sua equipe em plena atividade, ficou parado, sem ação, olhando indeciso. Em outra oportunidade foi mal compreendido com seu desenho ao participar de uma pequena exposição deixando-o magoado.
O artista se manifestava dentro dele mas sem encontrar suas possibilidades, ocupado com o trabalho integrado ao meio e objetivo social. Tornou-se aprendiz de ourives onde aprendeu todos os passos do ofício. Também a relojoaria fez parte de seus conhecimentos e atividades. Aberto ao saber, e à vida, A.C.M. foi uma aquisição, incorporação e aplicação das capacidades adquiridas ao compasso da existência. E assim o moço foi expandindo. Engraçou-se do teatro, da música, da literatura, fotografia, marcenaria, etc. Era um buraco negro atraindo conhecimentos. E dentro dessa gama de saber a filosofia era um porto natural, já bem alimentado por todos os caminhos que conduzem os conhecimentos. A.C.M. passou a ser um homem de conhecimentos e de controle sobre os mesmos. Era um faminto do saber.
E a arte? Depois do Padre Cícero, do mestre Noza e da exposição, A.C.M., já em Fortaleza, cruzou com um curso, por correspondência, de desenho arquitetônico e mantinha sua vida profissional fora da arte mas esta ainda o pegava no seu ponto sensível e na decisão da vontade. Favoreceu-lhe o tomar conhecimento de um curso de arte e conhecer alguns artistas com os quais passaria a participar como artista plástico.
Como fotógrafo mostrou as suas ao fotógrafo Ataliba que o induziu a mostrá-las na Casa Amarela da Universidade Federal do Ceará, órgão que movimentava o cinema e a fotografia.
Casado, novo A.C.M. administrava a vida, a família, o trabalho e os conhecimentos.
O que era Fortaleza com relação à arte? Vamos situar nosso artista, em seu processo de desenvolvimento, na década de oitenta. Mesmo conhecendo a Casa Amarela, bem perto do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, A.C.M. não tomou conhecimento do que, em artes plásticas, já ocorrera e ocorria em Fortaleza, a não ser daquela fração mínima de artistas que, como ele, procurava seu rumo sem se aperceber que, do outro Aldo, um grande espaço já existia e onde a arte fazia e tinha história. Havíamos passado pelo C.C.B.A com os salões cearenses de pintura no começo da década de quarenta, SCAP, Salões de Abril, Salão Nacional de Artes Plásticas do Ceará, Centro de Artes Visuais, Casa de Cultura e várias gerações artísticas. Não saber o que se passava no meio artístico maior, numa cidade tão pequena como era Fortaleza, parecia quase inexplicável, inda mais sendo amigo do Tarcísio Garcia um bom desenhista já ligado à Casa de Cultura e participante de suas atividades. Falhas de comunicação, mas estava em A.C.M. ir adiante e chegar a esse meio maior. Daquele aluno do saudoso Liceu do Ceará, plasmado em suas lutas estudantis, surge o artista abrindo caminho no rumo dos seus objetivos. Estava em campo observando e fazendo, fazendo e participando, participando e se integrando totalmente.
Mas, e na arte como se foi A.C.M.? A infância, com a estátua do Padre Cícero e a figura do mestre Noza, foi um despertar, foi a pedra de toque de uma sensibilidade estética invadida por atividades diversas talvez como consolo pela ausência de uma fonte mais forte e decisiva no aproveitamento do impacto inicial.
Em Fortaleza o meio lhe seria mais propício. Como segunda etapa, em seu caminho, ia tomando mais consistência se preparo de formação artística. As fontes de aprendizado, e os relacionamentos conduziam o jovem para um amadurecimento gradual no campo da arte. Sem uma escola disciplinando metódica e cronologicamente os ensinamentos, estes se faziam irregularmente, ao sabor das circunstâncias, mas para a lucidez de A.C.M. isto o esclarecia da necessidade de recuperar os elos perdidos. Nessa marcha de braços dados com a arte, ora mais apertado, ora mais frouxo, o nosso artista ia se fazendo cada vez mais ativo, mais participativo, mais unificado com a arte e o meio.
A.C.M., nesse caminho artístico, não é o autor passivo de um trabalho qualquer. Ele interroga seu trabalho, interroga os livros, questiona todo o processo artístico, prova as diversas manifestações, analisa suas razões, seus valores, suas técnicas, estética, seus fundamentos filosóficos. O faminto A.C.M. quer saber de tudo. Sua mente racional quer razão a Leonardo Da Vinci de que arte é coisa mental. A.C.M. orienta-se, a si mesmo, com os conhecimentos adquiridos e exercita-se no fazer e criar, sobrepondo a isso a qualidade para chegar, realmente, ao que pudesse chamar de arte. Das pequenas mostras iniciais vai atingindo níveis mais elevados. Atravessando o tempo, ele chega ao ano de 2008 com prestígio nos meios artísticos de Fortaleza e extrapolando para outros. Trabalhou o desenho, a gravura, o volume, a pintura, veio do antigo para o atual sem perder a essência da arte, ao contrário, reforçou-a. Construiu sua vida e sua ética. Como amante do teatro cortejou personagens, como escritor utilizou, como músico deu-lhes harmonia, como artista plástico conferiu-lhes forma, colorido, ritmo, como fotógrafo colocou-os no plano da máquina-arte e, como filósofo, julga que sabe o segredo do antes e do depois que a vida esconde e revela de muitas maneiras para confundir. Achando-se boa semente para o mundo A.C.M. cresceu e multiplicou-se. Por fim acabou vendo coisas que não existiam. Leonardo da Vinci já chamara a atenção para quantas coisas podiam ser vistas nas manchas das paredes. Aliás, os primitivos pintores das cavernas aproveitavam manchas e saliências, completando-as em suas formas sugeridas. E das coisas nascem as coisas. Daí, A.C.M. ampliou o campo de observação dessa arte fortuita e deu-lhe o nome de arte incidental? Apenas (e muito mais) isto: uma manifestação artística que surge em segredo sem que o seu autor haja tido propósito de fazê-lo como arte.
E assim é A.C.M., entre o racional do trabalho bem consciente e a sensibilidade da percepção emocional descobrindo arte nas manchas da vida com a graça do “padim padre Ciço”, de quem é devoto como bom filho, que é, de Juazeiro.
Hoje A.C.M. é um artista já definido no meio artístico do ceará.
Se alguém encontrar outro alguém parecido com o que ficou apresentado aqui é ele mesmo, pode acreditar.


quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

CARLOS MACÊDO

Numa terra marcada pelo barulho ritmado dos bilros tecendo texturas de desenhos inimagináveis não deveria ser surpresa ver obras de arte cujo tema é a trama. Todavia o trabalho atual de Carlos Macedo surpreende e encanta o observador.
Macedo, vivido em outras experiências, navegante que foi dos ricos e delicados mares do ouro e da prata, sabedor da importância de puxar fios, fazer trancelim, construir filigranas, depois de percorrer outros caminhos nas artes visuais, agora, tece desenhos com precisão de ourives.
São construções espaciais reduzidas ao plano. São composições de linhas, malhas de fios em ritmos que emocionam. São texturas de elaboração rigorosa que revelam volumes e formas que provocam sentimentos estéticos impossíveis de traduzir em palavras.

Roberto Galvão



O DESENHO DE CARLOS MACÊDO

O desenho é a caligrafia fundamental a qualquer artista plástico que queira ser reconhecido, e não importa o período, em todo o percurso da história das artes visuais o desenho é a base mais sólida, o alicerce sob o qual o criador eleva seu pensamento. Mesmo a arte abstrata não consegue se desprender do desenho, da estrutura básica de todas as formas, na catedral matemática e de símbolos que é o universo como o percebemos.

Carlos Macedo na mostra que se apresenta é a sua própria caligrafia, que desde os tempos, quando criança, traçava de maneira incisiva e absolutamente controlada as peças de joalheria, ate o presente momento em que transforma as linhas em algo que alem da precisão e da imaginação da forma, tenta nos fazer refletir sobre a superficialidade, a fragilidade e ao mesmo tempo a grandeza das coisas efêmeras.
Apenas três formas tendo como suporte o branco das paredes, e como material de trabalho o simples bastão de carvão, nada mais.

Carlos Macedo faz sim esboços primários em seu caderno de anotações, apenas para ter em mente a estrutura de composição dos espaços a serem usados, mas no momento da criação, ou seria melhor da execução, o que se vê é uma ação de impressionante coragem e extrema precisão, pois é um trabalho, no qual as correções não são possíveis.
Mais uma vez o desenho se apresenta como base para uma obra, que reflete sobre aspectos existenciais e mesmo filosóficos sem o uso da palavra.

Desta vez o desenho não traz na forma o seu principal foco, mas vai um pouco mais alem, pois no próprio ato do “fazer o desenho” o artista usa sua ação como suporte para o discurso. Na leitura das entrelinhas de seu traçado dentro do tempo e do espaço é que reside seu real conteúdo.

Siegbert Franklin